O ano de 2024 foi o mais quente da história e, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU) e o Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus, da União Europeia, o primeiro da série histórica a ultrapassar o nível de 1,5°C, chegando a 1,55°C de aumento da temperatura média da Terra. Nesse cenário, é necessário repensar todo o processo produtivo da indústria automotiva brasileira, desde a extração de matéria-prima até os veículos prontos, para que se conheça toda a cadeia de pegada de carbono e que, por consequência, sejam elaboradas estratégias de redução da emissão de Gases do Efeito Estufa (GEE) desse setor, uma vez que o Brasil é signatário do Acordo de Paris, assinado em 2015.
“A pegada de carbono tornou-se uma questão estratégica global no contexto das mudanças climáticas e o Brasil, que possui uma matriz energética mais favorável, tem um diferencial competitivo para enfrentar esse enorme desafio”, afirma João Irineu Medeiros, vice-presidente de Assuntos Regulatórios da Stellantis para a América do Sul.

Um dos projetos voltados para a preparação da indústria automotiva brasileira em relação às metas de mitigação de GEE é o “Do Berço ao Portão”, desenvolvido no âmbito da Linha V – Biocombustíveis, Segurança e Propulsão Veicular do programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover), coordenado pela Fundação de Apoio à UFMG (Fundep).
A iniciativa se propõe a determinar e avaliar a pegada de carbono dos automóveis fabricados no Brasil, a partir dos requisitos previstos nas normas de Avaliação do Ciclo de Vida ISO 14040:2006 e ISO 14044:2006 e é coordenada pelo Centro de Estudos em Sustentabilidade (FGVces) da Fundação Getúlio Vargas (FGV EAESP), em parceria com o Departamento de Energia da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
De acordo com João Irineu Medeiros, o aprofundamento do entendimento dos fatores de emissão regionalizados, promovido pelo “Do Berço ao Portão”, proporcionará maior clareza sobre essa vantagem competitiva do país. “A disseminação do conhecimento e a promoção de ações voltadas para a descarbonização são fundamentais para garantir que a indústria nacional mantenha sua competitividade, alinhando-se às melhores práticas internacionais e contribuindo de forma efetiva para a redução das emissões de CO²”, completa.
Do Berço ao Portão
Iniciado em 2023, o projeto foi dividido em seis etapas e deve ser concluído este ano. São elas:
- Kick-off
- Caracterização do Setor
- Estudo da Pegada de Carbono
- Ferramenta Setorial de Cálculo
- Formação e Capacitação
- Engajamento e Comunicação
Além da Stellantis, empresas como Gerdau, Metalpó, Renault, Toyota, Tupy S.A. e Volkswagen são parceiras da iniciativa, assim como 13 associações ligadas ao setor automotivo, como a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) e a Associação Brasileira do Alumínio (ABAL).
O projeto “Do Berço ao Portão”, além de contribuir para a redução das emissões de GEE, também promove a inovação e o ecodesign no setor automotivo brasileiro. Isso é possível por meio da conscientização de toda a cadeia produtiva e de capacitações dos profissionais que nela trabalham para que as empresas passem a adotar práticas mais sustentáveis e competitivas.

“O projeto é fundamental para entender e reduzir a pegada de carbono associada à fabricação de veículos no Brasil. Ao realizar a Análise do Ciclo de Vida (ACV), conseguimos identificar as etapas mais significativas do processo de produção que contribuem para as emissões de gases de efeito estufa e outros impactos ambientais. Isso é crucial e nos permite implementar estratégias mais eficazes para minimizar impactos e promover uma indústria automotiva mais sustentável, alinhada às metas globais de redução de emissões”, diz Francisco de Assis Oliveira Júnior, doutorando de Engenharia Química da Unicamp.
Em outubro de 2024, foi realizada a primeira capacitação, com participação de 123 profissionais de empresas diversas. O treinamento teve como foco nivelar o conhecimento, incluindo metodologias de avaliação da pegada de carbono, recursos tecnológicos aplicados e a importância da análise do ciclo de vida dos veículos.
A participação de profissionais do Senai, da Hyundai, da Stellantis e da Unicamp, dentre outros, enriqueceu as discussões e facilitou a troca de experiências e ideias entre as diferentes áreas do setor automotivo, unindo o universo acadêmico ao setor produtivo.
Status do projeto
O projeto já passou da metade do cronograma de desenvolvimento e se encontra na etapa de estudos e coleta de dados sobre a pegada de carbono. A expectativa é que as próximas fases sejam de cunho mais prático. “Ainda vamos produzir uma ferramenta de cálculo para o setor, que também é um produto previsto no projeto. Depois, teremos mais uma capacitação, voltada para o uso dessa ferramenta. E a última etapa será dedicada à disseminação do conhecimento, ou seja, participação em eventos e congressos”, detalha a pesquisadora da FGVces Juliana Picoli.
“A ferramenta que estamos desenvolvendo permitirá que a montadora saiba onde estão os principais fatores de emissão e como agir para ser competitiva. Isso não só auxilia no cumprimento de metas ambientais, mas tem impacto econômico positivo”, analisa Lucas Augusto Ramos, consultor do Senai e participante do projeto.
Uma meta para a ferramenta de cálculo da pegada de carbono é que ela seja de fácil manuseio, com interface intuitiva. “O ideal é que, com poucas informações sobre o veículo, seja possível que cada montadora ou cada usuário consiga calcular a pegada de carbono de um modelo e de uma marca específica”, acrescenta a pesquisadora da FGVCes.
Dez empresas parceiras já passaram por todo o processo burocrático e, segundo Juliana Picoli, há uma lista de outras empresas interessadas. Até o início deste ano, o projeto promoveu, além da capacitação, um workshop e um relatório de análise da literatura do estado da arte e dos estudos de avaliação de ciclo de vida.
“Para este ano, seguimos com a modelagem do cálculo da pegada de carbono, buscando o engajamento das empresas, uma vez que o grande diferencial desse projeto será a obtenção de informações primárias junto às montadoras e à cadeia produtiva de veículos. Não temos, no Brasil, informação de qualidade, e chegar a elas será essencial”, explica Juliana Picoli.
Francisco Júnior visualiza outros ganhos como a padronização, a criação de um inventário de gases e a formação de pesquisadores sobre o tema. “A padronização é uma questão chave. Como vou padronizar um certo tipo de sistema de produtos se eu tenho várias montadoras envolvidas? Cada uma tem seu modelo, então, como podemos chegar a um consenso? Outra entrega é um inventário, fundamental para a avaliação da pegada de carbono. Pretendo fornecer informações das minhas pesquisas sobre a emissão de gases durante a produção e utilização de tecnologias que envolvem células a combustível. A participação da Unicamp no projeto é extremamente relevante, principalmente na formação de novos pesquisadores e profissionais preparados para lidar com os desafios da engenharia e sustentabilidade”, completa o doutorando.
“O sucesso do projeto dependerá da nossa capacidade de trabalhar em conjunto, integrar o aprendizado e aplicá-lo a diversas situações. Se conseguirmos estabelecer uma base sólida de práticas sustentáveis, outras indústrias podem seguir nossos passos. A ideia é que possamos ser líderes em inovação no Brasil”, afirma o especialista em tecnologia do Senai, Caio Beltani Silva Fernandes, que também participa do projeto.
Política de descarbonização
Para promover a descarbonização ligada a produtos e processos da empresa, a Stellantis criou o plano estratégico Dare Forward 2030. O objetivo é chegar à meta de zero emissões até 2038, com redução de 50% até 2030.
“O automóvel possui um marco regulatório bastante abrangente, envolvendo segurança veicular, emissões e outros. O tema pegada de carbono é ainda mais amplo, alcançando toda a cadeia automotiva em suas diversas etapas, o que requer conhecimentos que vão além do produto automóvel.
Para atingir os objetivos do Dare Forward 2030, o envolvimento de toda a cadeia de fornecimento é indispensável. A Stellantis já define metas específicas de pegada de carbono para os componentes dos novos projetos de veículos, o que impacta na escolha dos fornecedores, meios produtivos, matérias-primas, rotas logísticas, fim de vida, etc.”, explica João Irineu Medeiros, vice-presidente de Assuntos Regulatórios da Stellantis para a América do Sul.
Futuro
Os impactos do projeto “Do Berço ao Portão” não se limitam à compreensão teórica da pegada de carbono, mas também incluem a implementação de práticas que possam conduzir a um setor automobilístico mais consciente e responsável. “A Stellantis espera que os resultados deste estudo contribuam para uma avaliação mais precisa da competitividade da indústria automotiva brasileira, fortalecendo sua posição em relação aos concorrentes globais”, diz João Irineu Medeiros.
“A responsabilidade é coletiva e cabe a todos nós, desde as montadoras até os consumidores, fazer escolhas que impactem de maneira positiva o meio ambiente”, resume Caio Beltani.
“Acredito que, ao desenvolver soluções inclusivas e interdisciplinares, estaremos contribuindo não apenas para uma indústria automobilística mais verde, mas para um futuro mais sustentável em todo o Brasil”, diz Francisco Oliveira Júnior, doutorando da Unicamp.
“Estamos apenas no começo e o sucesso do projeto dependerá de nossa capacidade de trabalhar coletivamente, integrar o aprendizado e aplicá-lo a diversas situações”, analisa Juliana Picoli, pesquisadora da FGVces.
Sobre a Linha V
A Linha V – Biocombustíveis, Segurança Veicular e Propulsão Alternativa à Combustão –, do Programa Mover, tem como diretriz a eletrificação do powertrain veicular para a alta eficiência energética, a utilização de biocombustíveis para a geração de energia e a adequação do contexto brasileiro de infraestrutura de abastecimento.
A partir da aliança entre os principais atores que concentram o conhecimento do setor (empresas, entidades representativas e Instituições de Ciência e Tecnologia – ICTs), serão habilitadas as competências necessárias para capacitar a cadeia automotiva.
A Fundep é a coordenadora da Linha V. A coordenação técnica é da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), do Centro Universitário da Fundação Educacional Inaciana (FEI) e da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
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