Quais são os rumos e como podemos construir o futuro do setor automotivo brasileiro e toda sua cadeia produtiva diante dos desafios já impostos como sustentabilidade, descarbonização e a necessidade de atender, em termos de inovação e em tecnologia de ponta, aos públicos interno e externo. Todo esse contexto esteve em debate na quarta edição do Mob Tech – Amostra Tecnológica do Programa Mover, promovido pela Fundação de Apoio da UFMG (Fundep) e sediado pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), em São Paulo, durante os dias 28 e 29 de agosto.
O encontro, que reuniu representantes da cadeia produtiva do mercado automotivo para discutir inovação e reindustrialização no Brasil, foi organizado em três trilhas de conteúdos, com mais de 20 painéis e palestras, com 55 convidados, além de destacar 14 projetos de PD&I em exposição. O foco esteve nos programas prioritários coordenados pela Fundep: Linha IV – Ferramentarias Brasileiras Mais Competitivas; Linha V – Biocombustíveis, Segurança e Propulsão Veicular; e Linha VI – Conectividade Veicular.
O presidente da Fundep, professor Jaime Arturo Ramírez, apresentou durante a abertura oficial um panorama das iniciativas da organização por meio do programa Mover, incluindo a captação de recursos, projetos em execução e instituições participantes. “O Mover não é apenas um case de sucesso entre o governo, os ICTs [Instituições de Ciência e Tecnologia] e a nossa sociedade. Ele é, na melhor expressão, um exemplo de ganha-ganha.” Ele expressou otimismo, esperando que “possamos dar mais um passo à frente nesta importante área da nossa sociedade”.
O presidente do IPT, professor Anderson Correia, fez uma importante reflexão sobre as transformações na engenharia e na indústria brasileira ao longo dos anos. “Fomos perdendo espaço, principalmente para outros países. Perdemos fábricas, empregos e exportações de valor agregado”. Ele destacou que a engenharia no Brasil já foi mais forte e competitiva. “Tínhamos muito mais produção, mais participação, mais presença nacional nos componentes. Competíamos globalmente, tínhamos uma engenharia mais forte, mas infelizmente, fomos perdendo tudo isso”, analisou.
Correia também enfatizou a importância do programa Mover para a retomada do setor. “Estamos vivendo um momento onde vemos uma luz no fim do túnel. O programa Mover, junto com as empresas automotivas e com outros setores, nos dá uma perspectiva de crescimento”, disse.
Prioridades tecnológicas do Mover
Durante o painel de abertura, representantes de entidades do setor automotivo compartilharam suas perspectivas sobre a inovação e os desafios enfrentados pela indústria automotiva. A mediação foi da gerente de programas da Fundep, Ana Eliza Braga.
“Nós vemos o Mover não como um programa individual, um programa específico, nós vemos como uma continuidade”, analisou o diretor Financeiro e de Economia da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Vinicius Pereira. Ele ressaltou a resiliência da indústria automotiva brasileira e a necessidade de focar em “competitividade,” “inovação” e “novas tecnologias de propulsão,” elogiando a inovação com o etanol e enfatizando a importância de aproveitar a matriz energética limpa do Brasil.
O diretor de Inovação do Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças), Mauricio Muramoto, destacou os desafios enfrentados pela indústria de autopeças e a importância da inovação para competir globalmente. “Sem motivação, sem inovação, sem desenvolvimento, a gente não consegue competir de igual para igual com o resto do mundo”, comentou.
Representando um dos setores fundamentais da produção automotiva e industrial como um todo, o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Ferramentais (Abinfer), Christian Dihlmann, abordou a importância da formação de profissionais e do fortalecimento das ferramentarias. Ele lamentou, por exemplo, a redução na carga horária dos cursos do Senai. “Nós regredimos. Em vez de nós avançarmos, nós regredimos.” Christian também fez um apelo para que mais ferramentarias se unam às associações, destacando a necessidade de acabar com a “síndrome de vira-lata” e acreditar na força do Brasil.
Também contribuindo para a discussão do painel, o vice-presidente da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva (AEA), Everton Lopes, enfatizou a importância de uma abordagem integrada ao ciclo de vida dos produtos no Programa Mover. “A proposta do Mover é trazer uma visão mais ampla do que nós chamamos de ciclo de vida do produto.” Ele destacou a necessidade de regulamentação para o progresso tecnológico e expressou otimismo sobre o futuro da indústria, ressaltando a capacidade do Brasil de se tornar um líder global em economia verde.
Sustentabilidade e Mobilidade Verde
O painel sobre mobilidade sustentável no Brasil, moderado por Janayna Bhering, gerente de Negócios e Parcerias da Fundep, considerou que a transição energética deve considerar a realidade do país, indo além dos veículos elétricos e explorando diferentes tecnologias, como biocombustíveis e eletrificação.
Participaram do painel Roger Guilherme, gerente de Engenharia da Volkswagen, Leonardo Amaral, gerente de Regulatory Compliance da Stellantis South America, Rafael Franco, engenheiro na Bosch, Everton Lopes, vice-presidente da AEA e Suzana Nogueira, especialista em Mobilidade Urbana na Lenog Arquitetura.
Os debatedores destacaram a necessidade de políticas públicas que incentivem tecnologias limpas e uma abordagem que considere todo o ciclo de vida dos veículos. O esforço coletivo entre empresas e governo é apontado como essencial para criar um ambiente regulatório favorável e impulsionar a inovação na mobilidade.
Além disso, a pesquisa básica é reconhecida como crucial para a evolução tecnológica e econômica, especialmente em um mercado como o brasileiro. O Mover foi considerado uma iniciativa importante, mas o painel destacou um alerta para os desafios que se apresentam quando existe coordenação entre diferentes regulamentações, sugerindo que uma visão estratégica integrada poderia alavancar o Brasil no cenário global, especialmente no campo dos biocombustíveis. O país, com sua matriz energética renovável, tem o potencial de liderar em soluções sustentáveis e pode se tornar um benchmark em bioeconomia de baixo carbono, explorando novos modelos de negócios e práticas sustentáveis.
Inovação disruptiva em ferramentarias
O painel sobre “Inovação disruptiva em ferramentarias” apresentou projetos com temas inovadores que aproximam as ferramentarias de tecnologias de ponta, preparando-as para o futuro. O momento foi mediado pela pesquisadora do IPT e coordenadora técnica da Linha IV – Ferramentarias Brasileiras Mais Competitivas, Ana Paola Villalva Braga.
Participaram: Ronnie Rego, do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), Salete Martins Alves, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Luís Gonzaga Trabasso, do Instituto SENAI de Inovação de Santa Catarina, e Erich David Rodriguez Martinez, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
Exposição de projetos
O Mob Tech teve a exposição de 14 projetos de PD&I em desenvolvimento por meio dos três programas prioritários do Mover coordenados pela Fundep. Dentre os expositores, estava o projeto “Sistema de posicionamento por ponto preciso em tempo real com integração INS/GNSS para veículos agrícolas conectados”, que une academia e iniciativa privada para desenvolver uma tecnologia de posicionamento por ponto preciso mais acessível, especialmente, para pequenos e médios produtores.
O professor Felipe Silva, da Universidade Federal de Lavras (UFLA), lidera o desenvolvimento de uma tecnologia nacional de baixo custo e alta precisão para o posicionamento de veículos agrícolas, essencial para a agricultura de precisão, focando em culturas não perenes. Atualmente, os sistemas disponíveis são caros, custando em média R$ 670 mil, o que os torna inacessíveis para pequenos e médios produtores. O objetivo do projeto é criar um protótipo nacional que ofereça precisão semelhante a um custo reduzido, tornando essa tecnologia mais acessível.
A MWF Mecatronics contribui com o projeto fornecendo suporte tecnológico em hardware, fundamental para a implementação dos algoritmos de navegação em tempo real, explicou o engenheiro Rogério Menezes. A empresa também participa da produtização, oferecendo produtos completos que podem servir de base para o novo sistema. O projeto é financiado pelo Programa Mover, com contrapartida de capital intelectual da UFLA e recursos próprios da MWF.
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